Alemã: Liquidação Total
Sexta-feira, 22 Agosto 2008, por Simon Brandon
As autarquias alemãs com escassez de dinheiro estão a vender a suas casas a investidores privados.
Simon Brandon analisa o impacto da mudança das iniciativas do prestador sem fins lucrativos para os empreendimento lucrativos e prósperos nas comunidades.
As transferências de acções têm demonstrado ser extremamente controversas, por isso tente imaginar a reacção se a maior autoridade local da Inglaterra vendesse o seu parque de habitação a investidores privados .
É impensável. Mas ao longo da passada década, cerca de 850,000 propriedades públicas na Alemanha têm sido vendidas a empresas de capital privado estrangeiras e a fundos de investimento imobiliário.
Há dois anos atrás, Dresden tornou-se a primeira cidade na Alemanha a redireccionar todo o seu parque de habitação pública para uma transacção com a empresa de capital privado, Fortress Investments, situada em Nova Iorque. Vendeu 48,000 unidades por €980 milhões – na época, cerca de £20,000 por propriedade. À presente taxa de câmbio, teria o valor de £772 milhões.
No passado mês de Junho, essa transacção foi suplantada. O município do Norte da região Reno-Vestfália, região da Alemanha mais densamente populada, vendeu 95,000 unidades da sua habitação pública ao Fundo Whitehall, um veículo de investimento imobiliário detido pela Goldman Sachs, pelo valor de €3.5 bilhões (£2.8 bilhões). O que, feitas as contas, ronda os £29,300 por propriedade.
Como seria de esperar, esta situação não tem sido bem acolhida pelos inquilinos da região. ‘Temos perdido muito do controlo público em relação à habitação na nossa região,’ diz Knut Unger, um porta-voz do Fórum de Inquilinos de Ruhr, uma aliança de grupos de inquilinos do Norte da região Reno-Vestfália criada para se opor à venda de habitação pública da região. ‘A habitação e os bairros são agora directamente controlados por investidores estrangeiros e estão, desta forma, dependentes da situação financeira a nível mundial.’
Mas essa não é a preocupação principal do Sr. Unger e dos seus colegas activistas. A mudança tem sido de senhorios sem fins lucrativos para proprietários que visam vultosos lucros, mudança que acreditam que será em breve sentida pelos inquilinos.
‘Estes novos proprietários são motivados pelo lucro, e não pelo investimento social,’ acrescenta ele. Na região Norte Reno-Vestfália, o investimento comunitário pela anterior empresa de habitação pública, LEG, tem sido fundamental. A maior parte da habitação na região foi construída pela Neue Heimat (New Home), uma gigantesca associação de habitação sem fins lucrativos detida por um grupo de sindicatos, nas décadas anteriores à sua falência em 1986. A autoridade local, comprou o parque da Neue Heimat’s através da LEG, a maioria consistindo de urbanizações desorganizadas, pelo valor nominal de um marco alemão.
As urbanizações têm tido a sua cota parte de problemas sociais, desde daí, devido às suas dimensões. ‘A LEG esteve muito activa no processo de renovação social nalguns desses bairros,’ diz Mr Unger. ‘Receamos que o investimento social diminua. Temos que recear porque na verdade não é muito lucrativo participar da gestão social.’
E os lucros foram a razão de base na aquisição de Whitehall. Nem a empresa mãe de Whitehall, a Goldman Sachs, nem a Fortress Investments, quiseram comentar sobre o seu desempenho como senhorios nem como planeiam maximizar os seus lucros apartir das transacções.
Barbara Steenbergen, Chefe da Representação da União Europeia na União Internacional de Inquilinos e anterior estratega política junto da União de Inquilinos Alemã, tem contudo algumas ideias.
‘A sua primeira estratégia é vender as melhores unidades aos inquilinos. A segunda consiste em aumentar as rendas sempre que possível – as rendas de habitação pública são quase sempre inferiores quando comparadas aos níveis de renda local. Terceira, o investimento – especialmente na conservação – está congelado,’ explica.
No entanto, os novos proprietários não têm tido tudo isto à sua maneira. Cada compra encontrava-se condicionada a uma ‘carta de direitos’ social que estabelece limites aos aumentos de renda e estabelece ainda níveis minímos para o investimento nos bairros.
Mas não tem sido suficiente, acredita o Sr Unger. Ele alega que as directrizes sobre as rendas da carta de direitos social têm sido aplicadas a nível nacional em vez de numa base regional, o que tem proporcionado aos novos proprietários oportunidades de aumentar rendas nalgumas áreas onde estas eram mais baixas que a calculada média nacional, no seu início. Em cidades como Dusseldorf e Colónia, diz ele, as rendas de habitação pública têm aumentado consideravelmente, enquanto o investimento tem diminuído em todos os sectores.
‘Em muitos casos, um investimento anual de €25 por metro quadrado foi reduzido para €15,’ afirma Ms Steenbergen. ‘É assim que se faz dinheiro.’
Contudo, assim como no Reino Unido, a habitação pública na Alemanha não tem apenas a ver com rendas baixas e bairros agradáveis. Desempenha um papel social mais abrangente – Ms Steenbergen refere-se a isto como o ‘pilar da protecção social’. Quando a Alemanha estava a ser assolada pela falta de habitação nos anos 80, foram as empresas de habitação municipais que investiram no novo parque.
‘Não se tratou de um retorno de investimento para os accionistas, mas um retorno para a sociedade.’ diz o Sr Unger. ‘Porque estavam incumbidos da tarefa política de resolver problemas sociais.’
Acrescenta que a habitação pública Alemã tem facultado tradicionalmente casas para os grupos mais vulneráveis como os imigrantes e os que correm o risco de ficar sem abrigo. Se a habitação pública deixar de existir, o mesmo acontecerá com o seu contributo social.
O dinheiro não é rei
Talvez, que nem tudo esteja ainda perdido. A Alemanha não tem estado imune à crise de crédito e ao seu impacto no mercado de habitação. O primeiro plano de lucro dos novos proprietários privados – de vender as melhores propriedades aos inquilinos – não está a decorrer como previsto.
‘Eles [os investidores privados] viram como o direito à compra foi um sucesso no Reino Unido e pensaram que todos iriam querer comprar, mas não viram que muitos dos inquilinos nestas casas vivem de baixo rendimentos,’ afirma o Sr Unger. ‘Eles superestimaram as suas hipóteses. Assim que a crise hipotecária atingiu o mercado, empresas como a Terra Firma [uma empresa de capital privado do Reino Unido que é agora proprietária do anterior parque de habitação pública construído para trabalhadores de indústrias detidas pelo governo na Alemanha] tiveram que aprender, que não poderiam aumentar demasiado as rendas nem vender ao sector privado. Mudaram de táctica. Têm agora, uma estratégia de médio prazo em vez de uma a curto prazo: estão a construir empresas de habitação adequadas.’
Através da sua subsidiária Deutsche Annington, que detem 220,000 propriedades, a Terra Firma é agora um dos maiores senhorios privados na Alemanha. Um porta-voz para a DA confirma que a empresa teve que se adaptar à nova situação: ‘Ao longo dos últimos três anos, tivemos que ajustar a nossa estratégia de forma a reflectir as condições de mercado,’ diz ela. ‘Atendendo às actuais condições de mercado, faz mais sentido, em termos económicos, reter os apartamentos no portfólio.’
O porta-voz acrescenta que a DA é ‘em primerio lugar e acima de tudo, um proprietário de um portfólio socialmente responsável’, embora a empresa se recussasse a responder a perguntas relacionadas com as rendas que cobra e ao valor de investido nas suas propriedades.
E nem todas as vendas estiveram livres de problemas. Inquilinos activistas têm tentado organizar referendos de modo a forçar cada venda a um voto público; como consequência, a cidade de Friburgo teve que por a sua venda em espera.
Contudo, os referendos na Alemanha são altamente controlados e delicados de se organizar. Um referendo pode ser forçado havendo para isso assinaturas suficientes – mas apenas aqueles com um passaporte Alemão e que reúnam os requisitos necessários para votar podem assinar a petição. Como o Sr Unger realça, muitos dos parques de habitação pública incluem numerosas populações imigrantes que não reúnem os requisitos para votar. Assim, ele e os seus colegas activistas estão agora voltados para o futuro. ‘Temos que agora pensar em como um sector de habitação sem fins lucrativos pode ser novamente construído,’ diz ele.
Ele tem algumas ideias. A solução pode estar em proporcionar às cooperativas de habitação Alemãs, que entre si detêm 2.5 milhões de propriedades, e às empresas de habitação municipais mais pequenas que ficaram sobre a alçada dos radares dos investidores, inciativas para construir e investir.
‘Têm problemas em encontrar baixas taxas de juro em mercados de capital,’ diz ele. ‘Estão limitados quando comparados com empresas de capital privado – então como seria possível estas organizações terem acesso a capital?’
São, também, necessárias normas rigorosas em relação aos inquilinos privados, acredita ele, para os forçar a investir mais nos bairros, por exemplo. E, por útlimo, faz um apelo para que os inquilinos juntem esforços e que se mobilizem a uma maior escala, por toda a Alemanha, e além fronteiras, também. ‘Temos inquilinos organizados a nível de bairro – mas agora os nossos senhorios são empresas a nível mundial,’ diz ele.
No entanto, para já, os grupos de inquilinos irão continuar a lutar contra a privatização dos parques de habitação pública, sendo esperada mais contestação ainda. Porquanto as repercussões para as comunidades e autoridades locais, nesta fase são mais de receio do que realidade, o que é inquestionável é que um pilar da protecção social do país está a desgastar-se rapidamente.
Resta saber a extensão do prejuízo que irá causar.
O direito ao arrendamento: habitação pública na Alemanha
‘É muito atractivo ser-se inquilino na Alemanha – as casas são de boa qualidade, frequentemente localizadas nos centros da cidade e bem conservadas,’ afirma Barbara Steenbergen, da União Internacional de Inquilinos. ‘Muitas pessoas optam por ser um inquilino.’
Deveras que o fazem. De acordo com a Ms Steenbergen, 57 por cento de todos os agregados familiares Alemães vivem em casa arrendadas. Apenas a Suiça tem uma proporção maior de arrendatários.
Existem 2.6 milhões de propriedades que permanecem sob domínio público após a venda, acrescenta. No entanto, não é exactamente habitação social como a entendemos no Reino Unido; enquanto que a habitação pública é oferecida a valor razoável e limitado de renda, e é prioritária para agregados familiares de baixo rendimento, pessoas com ganhos médios podem também candidatar-se. O equivalente da habitação social na Alemanha consiste num sistema de subsídios ao qual, qualquer pessoa – inquilino privado ou público – pode candidatar-se.
Mas os 2.6 milhões de agregados familiares em habitação pública, todos beneficiam de rendas controladas e de senhorios que não visam o lucro, com o especial interesse, tal como a autoridade local, em investir nos seus bairros e comunidades.
‘As empresas de habitação pública não se preocupam apenas com a sua conservação, encarregam-se ainda da supervisão dos seus bairros, parques, áreas de recreio e de espaços verdes,’ diz Ms Steenbergen. ‘Não irá ver grande diferença entre parques de habitação pública e privada na Alemanha.’
Porquê vender?
O que é que tem motivado os municípios a venderem os seus parques de habitação? A razão principal é a divída. As autoridades locais tem estado a debater-se com grande défices desde a reunificação alemã em 1990. Um relatório de 1997 do banco central Alemão mencionou que ‘a divída pública disparou desde o início dos anos 90, principalmente devido às implicações fiscais da unificação’.
Quando o Muro de Berlim veio abaixo, a Alemanha de Leste estava dilapidada e pobre. Após a unificação as suas autoridades locais suportaram grande parte dos custos de recuperação, enquanto que os municípios mais ricos de oeste debatiam-se com os custos de acomodar a avalanche de Alemães de Leste à procura de emprego e de melhores condições de vida.
‘Os orçamentos públicos na Alemanha estão muito esticados após a reunificação,’ diz a Ms Steenbergen. ‘Se eles [autoridades locais] receberem uma oferta com esta, irão aceitá-la.’
Em 2006, Dresden desfez-se da sua habitação pública e da sua divída, num ápice.
Mas a Ms Steenbergen acredita que os municípios estão apenas a criar problemas para si próprios no futuro, ao vender o seus parques de habitação. O direito à habitação digna encontra-se consagrado na constituição da Alemanha, e enquanto as autoridades locais abidicaram dos seus parques de habitação, têm ainda uma responsabilidade legal de facultar habitação a preço acessível para os que dela necessitam.
‘Esta não é uma solução sustentável,’ afirma. ‘Quando houver uma escassez de habitação a preço acessível, os proprietários irão vendê-la de volta [ à autoridade local] a preço elevado … O Norte da região Reno-Vestfália irá ter muitos problemas no futuro.’