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Recomendações do Tribunal Internacional dos Despejos 2013

Recommandations du Tribunal International des Evictions 2013

Marche des Habitants, Genève (19/10/2013, François de Limoges)

TRIBUNAL INTERNACIONAL DOS DESPEJOS

Terceira sessão (Genebra, 18 de outubro de 2013)

O Tribunal Internacional dos Despejos reuniu-se para sua terceira sessão em Genebra no dia 18 de outubro de 2013.

Um júri composto de cinco especialistas em matéria de direito à moradia, provenientes dos meios acadêmicos, de ONGs e de organizações militantes, ouviu o testemunho de habitantes sobre violações do direito à moradia na Itália, no Saara Ocidental, no Quênia, na Palestina e no Peru. Um sexto caso, que diz respeito à Romênia, foi igualmente examinado.

Recommandations du Tribunal International des Evictions 2013

Lecture Recommandations du Tribunal International des Evictions (Genève, 19/10/2014, Franck Na)

Os casos apresentados perante o Tribunal são emblemáticos de expulsões baseadas em uma ocupação do tipo colonial, atividades empresariais de exploração de matérias primas, não-comprometimento do setor público com o controle dos mercados, projetos imobiliários especulativos e também privatizações. São exemplos de despejos que atingem entre 60 e 70 milhões de pessoas no mundo.

Constatações :

Recommandations du Tribunal International des Evictions 2013

La Troisième Session du Tribunal International des Evictions (Genève, 17-19/10/2013, Ariane Arlotti)

Os fatos apresentados pelas testemunhas dessas expulsões constituem, em diferentes níveis e graus, violações das obrigações legais assumidas pelos Estados em questão enquanto signatários da Carta das Nações Unidas e da Carta internacional dos direitos humanos, ou seja, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto internacional relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais (PIDESC) e o Pacto internacional relativo aos direitos civis e políticos (PIDCP).

O Tribunal destaca que os casos que lhe foram apresentados ilustram o fato de que a negação, de jure ou de facto, do direito à moradia acarreta uma série de consequências dramáticas para as pessoas que dela são vítimas e também para seus próximos. Os despejos de habitantes são a causa de múltiplas violações dos direitos humanos no âmbito do emprego, da educação, da saúde, dos vínculos sociais e dos direitos políticos.

Assim sendo, esses despejos atentam não somente contra o direito à moradia e o direito a um nível de vida suficiente (art. 11 PIDESC), mas igualmente contra o direito de assegurar a saúde e o bem-estar para si mesmo e para seus familiares (Declaração dos Direitos Humanos).

O Tribunal resumirá, em primeiro lugar, o teor dos casos a ele submetidos:

Itália

Esse país conhece atualmente uma crise econômica e social que joga uma parte importante da população  em situação de precariedade. O grande número de demissões compromete o orçamento das famílias que, em muitos casos, não conseguem mais pagar o aluguel de sua moradia. Assim, cerca de 250 mil famílias estão ameaçadas de expulsão de sua moradia e vêm juntar-se às 600 mil  pessoas das listas de espera de uma moradia social, devido ao déficit crescente da oferta. O mais grave é que frequentemente os locatários expulsos por razões econômicas nem sequer são considerados com direito às moradias sociais, ou as autoridades locais propõem realojá-los em abrigos não adaptados à vida familiar. Frequentemente ocorre, além disso, que os membros de uma família sejam separados, e as crianças instaladas em abrigos, enquanto os pais são obrigados a viver na rua.

O caso de expulsão apresentado ao Tribunal revelou igualmente práticas abusivas de alguns proprietários que aproveitam do estado de fragilidade de candidatos à locação de uma moradia para impor condições que lhes permitem aumentar seus lucros e expulsar os locatários com mais facilidade.

Junta-se a isso um clientelismo político cuja consequência é que as famílias em situação de maior  precariedade não são as primeiras às quais as moradias sociais são atribuídas, frequentemente.

Saara Ocidental

Ocupado pelo Marrocos após a retirada da potência colonial espanhola em 1975, o status do território do Saara Ocidental ainda não foi definido pela ONU, que decidiu, entretanto, organizar um plebiscito de autodeterminação do povo saariano desde 1991.

O caso apresentado ao Tribunal diz respeito ao despejo de uma mulher e de sua família de 12 pessoas de suas terras de 65 hectares em El Ayoun, incluindo a moradia familiar, um poço, um curral, gado e terras cultiváveis. A partir da intervenção militar marroquina, esses terrenos foram ocupados pelo exército, que ali instalou um quartel. As autoridades marroquinas posteriormente atribuíram, em 2007, uma parte importante dessa terra (15 hectares) a uma sociedade que atua na exploração de fosfato (Phosboucraa -OCP). tal decisão aparece como uma forma de represália, na medida em que o pai de família tem atuação como sindicalista na defesa dos trabalhadores do setor. As autoridades também expulsaram essa família de suas terras em 2010 para ali alojar colonos marroquinos. O atual wali de El Ayoun cobiça o restante das terras.

Cabe destacar que essa família vem sofrendo múltiplos ataques e pressões há várias décadas, para ceder sua terra. Todas as medidas jurídicas e administrativas a que a família recorreu resultaram em fracasso.

Quênia

O bairro de CITY CARTON é uma das favelas que acolhem um de cada dois habitantes da cidade de Nairobi. Ali residem em condições precárias cerca de 400 famílias, que ali têm também seu meio de subsistência.

No dia 10 de maio de 2013, essas pessoas foram vítimas de um ataque de homens armados protegidos pela polícia, que expulsaram uma parte dos habitantes e destruíram sua infraestruturas já precárias.

No dia 17 de maio de 2013, o bairro sofreu um novo ataque, dessa vez mais sistemático, que destruiu totalmente a favela. Os habitantes foram vítimas de violência e pilhagem.

O setor em seguida foi fechado, cercado com arame farpado e guardado sob vigilância para evitar o retorno dos habitantes. Estes perderam tudo e são obrigados a vive rem abrigos improvisados, sem água e sem instalações sanitárias. As condições de higiene são tais que colocam essas pessoas em grande risco sanitário.

Com essa expulsão, os habitantes de CITY CARTON encontram-se sem teto, sem acesso à educação e a cuidados, e também sem recursos, pois suas ferramentas de trabalho foram destruídas.

A Suprema Corte do Quênia julgou ilegal essa expulsão, mas os beneficiários da decisão até hoje não receberam compensação nem conseguem recuperar seus terrenos.

Palestina

A política de colonização dos territórios palestinos pelo Estado de Israel desde 1948 conduziu à destruição de 28 mil moradias de palestinos.

Um palestino proprietário de um terreno perto de Jerusalém, assim como a quase totalidade dos palestinos, viu-se diante da impossibilidade de obter autorização para construir uma casa em seu terreno. Após muitos anos de tentativas infrutíferas, essa família decidiu persistir. Sua casa foi destruída seis vezes, com a ajuda do exército israelense, entre 1998 e 2012. As intervenções das autoridades foram violentas.

Essa casa passou a ser um símbolo de resistência à política de colonização israelense e foi reconstruída, em 2011 e em 2012, especialmente com o apoio da associação The Israeli Committee Against House Demolitions (ICAHD – Comitê Israelense contra as Demolições de Casas). Foi destruída, porém, a cada vez, pelo exército israelense.

O Tribunal constata que a destruição dessa casa não somente priva a família de sua moradia, mas igualmente de seus meios de subsistência, pois, além da moradia, as árvores também foram abatidas e o gado foi dizimado.

Peru

Esse país é constituído por diversos povos autóctones que habitam regiões ricas em recursos naturais.

O governo peruano atribui concessões  generosas a empresas que exploram essas riquezas, em detrimento dos habitantes, que são obrigados a ceder seu lugar. Com a cumplicidade das autoridades, o comércio ilegal dessas reservas vai se intensificando e agrava a situação mencionada acima.

Além disso, as populações envolvidas quase nunca são consultadas pelo governo antes que este conceda autorização para que uma empresa explore essas terras. Assim sendo, o Estado não só faltou com sua obrigação de proteger os povos autóctones envolvidos, como também tornou-se cúmplice de violações dos direitos humanos.

Romênia

A instauração da chamada lei das « retrocessões » permite que os antigos proprietários destituídos sob o regime soviético façam valer seus títulos de propriedade. Quando os bens imóveis são restituídos aos antigos proprietários ou a seus herdeiros, os atuais habitantes – antigos locatários do estado romeno ou de novos proprietários que compraram a propriedade do estado – são evacuados sem que uma solução lhes seja proposta em troca. A lei que prevê que os locatários só devem sair de sua habitação nos casos em que outra moradia equivalente tenha sido posta à sua disposição para locação não é respeitada. famílias se encontram na rua, sem acesso ao mercado imobiliário, em vista de seu nível de renda. Além disso, suas solicitações de moradias sociais permanecem sem resposta.

Em Bucareste, no bairro de Rahova-Uranus, a situação é particularmente crítica, pois 113 dos 200 habitantes do bairro já estão em processo de evacuação. Tudo indica que inúmeras famílias já foram evacuadas e ficaram vários meses na rua. Constatou-se que alguns prédios previstos para realojar as pessoas evacuadas permaneceram vazios e foram depois atribuídos, por companheirismo ou corrupção, a terceiros.  As próprias retrocessões acontecem de maneira duvidosa, e beneficiam mais os atores econômicos do ramo imobiliário que os antigos proprietários ou seus herdeiros.

Recomendações:

O Tribunal emite recomendações em diversos níveis.

Em 2011 e em 2012, ele reconhecera a necessidade de um sistema que permitisse observar e recensear os casos de expulsões forçadas no âmbito mundial. Trata-se de retomar e ampliar o trabalho efetuado pelo relator Especial das Nações Unidas pelo Direito à Moradia, solicitando a outros organismos supranacionais, em especial à ONU-Habitat, que coordenem a fim de zelar para que os Estados não cometam, não incentivem nem tolerem expulsões forçadas. Salvo se o deslocamento for comprovadamente necessário, as pessoas envolvidas devem imperativamente ser beneficiadas com proteção jurídica verdadeira e uma solução adaptada de realojamento.

Nesse sentido, as observações gerais N° 4 e 7 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais sobre o Direito à Moradia devem servir de quadro de referência.

Além disso, os casos examinados nesta terceira sessão evidenciaram o papel essencial desempenhado pelas organizações e redes de habitantes e a necessidade da solidariedade e da convergência das ações nos níveis nacional e internacional. A intervenção do ICAHD na Palestina é  um exemplo eloquente. Os atores dessa solidariedade devem ser protegidos em sua ação e considerados como parceiros pelos poderes públicos, e não como criminosos.

Por ocasião de sua primeira sessão, o Tribunal havia formulado recomendações para as organizações de habitantes, as Nações Unidas e os Estados que continuam válidas. Esse é o caso, em particular, da suspensão das expulsões forçadas, preconizada em 2011.

Os princípios destacados em 2011 e em 2012 levam o Tribunal a propor as segtuintes recomendaçéoes com relação aos cinco casos hoje examinados:

Itália:

  1. O tribunal julga ilegal o descompromisso do Estado, que deve, em compensação, zelar pela manutenção do respeito à proteção dos habitantes e dos locatários, em particular contra as pretensões abusivas de alguns locadores, por meio de um mecanismo de controle público dos aluguéis.
  2. As jurisdições civis devem zelar para que não se decretem expulsões sem que o locatário possa dispor, para si e para sua família, de uma solução de realojamento adequado que permita assegurar seu bem-estar preservando os vínculos sociais e econômicos. De imediato, uma suspensão de todas as expulsões deve ser implementada.
  3. O Estado, as regiões e as comunidades locais devem fornecer moradias sociais adequadas e em número suficiente, que permitam igualmente assegurar o bem-estar dos locatários, preservando, em particular, os vínculos sociais e econômicos, e recorrendo, de acordo com a necessidade, à requisição de moradias que permanecem desocupadas.
  4. O acesso às moradias sociais não deve ser limitado às pessoas em condições de pagar, e as listas de espera não devem ser utilizadas para clientelismo.

Saara Ocidental:

  1. Em virtude do direito internacional e do direito internacional humanitário, o Estado marroquino deve garantir a integridade física e psicológica das pessoas, sem discriminação dos saarianos. A ação do estado deve respeitar uma estrita igualdade de tratamento entre habitantes do Marrocos e do Saara ocidental, e proibir todas as medidas que visam a privar uma categoria de habitantes dos meios de alojar-se e satisfazer suas necessidades.
  2. O Estado marroquino deve zelar pela imparcialidade de seus agentes públicos, de sua administração e de suas jurisdições.
  3. O Tribunal julga inaceitável que a família cujo caso lhe foi submetido tenha sido vítima de violações múltiplas de seus direitos e represálias por ter exercido os direitos garantidos pela Carta Internacional dos Direitos Humanos.

Assim, essa família deve ser indenizada pelos prejuízos sofridos.

Quênia:

  1. O Tribunal condena com firmeza o apoio das forças policiais à expulsão violenta e ilegal dos habitantes do bairro CITY CARTON. O Estado queniano deve abrir uma investigação para determinar as responsabilidades e punir os culpados.
  2. Os habitantes expulsos devem obter indenização pela perda de seus bens e meios de subsistência. As moradias destruídas devem ser reconstruídas pelos responsáveis ou pelo Estado e devolvidas a seus habitantes.
  3. Enquanto isso, as pessoas expulsas devem ser realojadas e devem beneficiar-se de condições sanitárias e sociais que respeitem os  direitos humanos.

Palestina:

  1. O tribunal condena com firmeza a interdição de construir as reiteradas destruições de casas de palestinos. Em virtude do direito internacional e do direito internacional humanitário, o Estado israelense deve assegurar a integridade física e psicológica das pessoas, sem discriminação contra os palestinos que habitam os territórios ocupados. A ação do Estado deve proibir todas as medidas que visam a privar uma categoria de habitantes dos meios de habitar e de satisfazer suas necessidades.
  2. O Estado israelense deve zelar pela imparcialidade de seus agentes públicos, de sua administração e de suas jurisdições.
  3. O Tribunal julga inaceitável que a família cujo caso lhe foi submetido tenha sofrido  sido vítima de violações múltiplas de seus direitos e represálias por ter exercido os direitos que lhes são conferidos pela Carta internacional dos direitos humanos. O mesmo se aplica às pessoas que se mostraram solidárias a ela.

Assim, essa família deve obter indenização pelos prejuízos sofridos e a possibilidade de construir sua própria moradia e de ali vive rem segurança.

Peru:

  1. O Estado deve zelar pelo respeito estrito dos princípios que figuram na Declaração da ONU sobre os direitos dos povos autóctones. Assim, o Peru deve proibir a exploração dos recursos naturais dos territórios dos povos autóctones sem consentimento livre e esclarecido destes últimos. Deve igualmente implementar meios para garantir o respeito dessa proibição.
  2. Os povos autóctones que desejam viver à sua maneira devem ser protegidos das ameaças representadas pela exploração de florestas, de petróleo, de minérios e dos grandes projetos de construção, entre os quais a rodovia transoceânica PUCALLPA-CRUZEIRO DO SUL.
  3. O Tribunal julga necessário que o Relator Especial do Conselho dos Direitos Humanos da ONU sobre os direitos dos povos autóctones efetue uma missão na região de UCAYALI.

Romênia:

  1. O Estado deve zelar para que as « retrocessões » aconteçam no respeito ao princípio de realojamento equivalente, em particular em termos de habitação, aluguel e proximidade, permitindo conservar os mesmos vínculos sociais e econômicos.
  2. O Estado e a União Europeia devem favorecer uma investigação independente sobre todas as « retrocessões », a fim de verificar as violações de leis, em especial da lei sobre as « retrocessões », para indenizar as vítimas e punir os culpados.
  3. O Estado deve zelar para que as moradias sociais beneficiem as pessoas adequadas.
  4. Uma moratória (suspensão) de todos os processos de evacuação deve ser instaurada até que moradias equivalentes estejam disponíveis.

Dispositivo

Para concluir, o Tribunal convida a todos os atores envolvidos, em particular Itália, Marrocos, Israel, Quênia, Peru, incluindo suas articulações territoriais, as organizações nacionais e internacionais, as associaçéoes e as redes de habitantes, a implementar imediatamente suas recomendações.

Além disso, solicita às organizações que submeteram os casos examinados por ocasião desta sessão a apresentar seus relatórios com vistas ao Fórum Urbano Mundial da ONU-Habitat (Medellin, abril de 2014) e com vistas à quarta sessão do Tribunal (outubro de 2014).

Membros do Júri

  • Christiane Perregaux, Professora honorária da Universidade de Genebra, Co-presidente da Assembleia Constituinte de genebra e ex-presidente do centro Contact Suisses-Immigrés de Genebra.
  • Gordon Aeschimann, Juiz auxiliar na Comissão de conciliação e no Tribunal des baux e loyers de Genebra.
  • Christian Dandres, advogado da ASLOCA, Deputado no Grand Conseil de Genebra.
  • Cesare Ottolini, Coordenador global da Aliança Internacional dos Habitantes, ex-membro do Comitê Consultivo da ONU-Habitat sobre expulsões forçadas.
  • Melik Ozden, Centro Europa-Terceiro Mundo na ONU, Ex-Juiz auxiliar no Tribunal des baux e loyers de Genebra, Constituinte de Genebra, Deputado no Grand Conseil de Genebra.

Feito em Genebra, 18 de outubro de 2013

Contato:

tie2013@habitants.org

www.tribunal-evictions.org

>>> Ler as Recomendações do Tribunal Internacional dos Despejos 2013

Lugar para o qual este artigo se aplica


O(A) seguinte Tradutor(a) Voluntário(a) pelo direito à moradia sem fronteiras da AIH colaborou com a tradução deste texto:

Maria Betânia Ferreira

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